Com o tema “Mulher, democracia e participação política”, o segundo painel promovido pela Secretaria de Estado da Cidadania durante o Delas Day, em Campo Grande, foi marcado por reflexões profundas sobre representatividade e os desafios da presença feminina nos espaços de poder.
Sob condução da secretária estadual Viviane Luiza, o debate reuniu lideranças femininas de diferentes áreas de atuação em Mato Grosso do Sul. O público pôde ouvir trajetórias inspiradoras que uniram experiências pessoais, luta política e empreendedorismo feminino.
Participaram da roda de conversa a prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes; a vereadora indígena Inaye Lopes Kaiowá, do município de Antônio João; a deputada estadual Mara Caseiro; a senadora sul-mato-grossense Tereza Cristina e a diretora nacional do Sebrae, Margarete Coelho.
Ao abrir o painel, Viviane destacou dados preocupantes da ONU, como o que aponta que das 36 mil cadeiras parlamentares em todo o mundo, apenas 26% são ocupadas por mulheres. Ela também chamou atenção para o fato de que a igualdade de gênero na política, segundo a mesma organização, ainda está distante em mais de um século.
“São 145 anos para alcançarmos paridade, de acordo com a ONU. E aqui estão mulheres que desafiaram as estatísticas, que mostram que o que nos move é a coragem. Não falamos de partidos, falamos de uma bandeira comum: ser mulher”, afirmou Viviane.
Margarete Coelho, que já foi vice-governadora do Piauí e deputada federal, ressaltou que a estrutura política brasileira ainda carrega resquícios de um sistema construído para excluir as mulheres. Segundo ela, a baixa presença feminina nas câmaras e assembleias também é resultado da herança patriarcal no ambiente político.
“Os partidos foram pensados e organizados por homens e para homens. A política ainda não é um espaço acolhedor para as mulheres. A herança política, nas famílias, também é masculina. É mais comum ver pais incentivando os filhos homens a seguirem na política do que as filhas”, pontuou.
Ela também abordou a cobrança exagerada enfrentada por mulheres candidatas. “Nossa régua é alta demais. Questionam se a mulher é dona de casa, se é magra ou gorda, se cuida dos filhos ou não. Nunca perguntam isso aos homens. Não podemos exigir de uma mulher mais do que se espera de um homem”, completou.
Adriane Lopes, primeira mulher eleita prefeita de Campo Grande, compartilhou parte de sua caminhada, que começou com a venda de sorvetes de porta em porta. Ela falou sobre o preconceito enfrentado ao assumir a Prefeitura em 2022, após a renúncia do então prefeito Marquinhos Trad.
“Durante o período em que estive à frente da Prefeitura, muitos diziam que eu não era legítima, que só assumi porque era mulher do fulano, que eu não tinha sido eleita. Mas a gente não pode deixar isso nos paralisar”, declarou. Em sua fala final, Adriane incentivou a plateia: “Se não houver caminho, criem um. É o que tenho feito como gestora: abrir portas para outras mulheres”.
Povo indígena Kaiowá
Representando o povo indígena Kaiowá, a vereadora Inaye Lopes Kaiowá, que está em seu segundo mandato, trouxe uma perspectiva essencial sobre a intersecção entre gênero e etnia. Mestre em História, ela relatou que a decisão de entrar na política surgiu da necessidade de dar voz às demandas de sua comunidade.
“Enfrentei resistência dentro e fora do meu povo. As mulheres indígenas, muitas vezes, também não votam em mulheres. Mas estamos mudando esse pensamento, caminhando juntas para ocupar mais espaços”, disse. Inaye ainda relatou que é constantemente procurada por lideranças de sua etnia para intermediar ações com o Estado e que enxerga nisso sua missão. “Me sinto feliz por ser ponte entre o poder público e minha comunidade.”
A deputada estadual Mara Caseiro, por sua vez, ressaltou os avanços obtidos nas eleições de 2024, mas lembrou que o crescimento na presença feminina ainda é tímido. “Tivemos 13 prefeitas e 20 vice-prefeitas eleitas, além de 181 vereadoras. Mas isso representa só 20% da ocupação. É muito pouco”, frisou.
Ela mencionou o Estatuto da Mulher Parlamentar como um avanço legislativo importante e alertou para a naturalização da violência política de gênero. “Muitas vezes a gente nem percebe que está sofrendo violência. Interromper falas, limitar o direito ao voto ou colocar a mulher em função estereotipada durante sessões — tudo isso é violência política, e precisamos denunciar”, explicou.
Mara também defendeu maior investimento em candidaturas femininas e mecanismos mais firmes para combater o assédio no ambiente político. “O financiamento de campanha ainda é desigual e precisamos mudar isso. Além disso, quem pratica violência política precisa ser punido”, afirmou.
A senadora Tereza Cristina encerrou o painel compartilhando momentos marcantes de sua trajetória, desde o período em que presidiu a Famasul, até seu papel como ministra da Agricultura no governo federal. Ela enfatizou que a presença feminina na política precisa ser cada vez mais ativa.
“Não tenham medo. Se a gente souber aonde quer chegar, a gente chega. É um ambiente machista, sim. Mas precisamos sair da zona de conforto. Participar é fundamental, mesmo que a vitória não venha de imediato”, destacou.
Por fim, Tereza deixou um recado direto às mulheres presentes: “Não esperem convite. Se joguem. A política precisa de vocês, e vale a pena lutar por espaço”.