Num cenário de crise, cobrança por mais serviços e repasses cada vez menores do governo federal, os prefeitos brasileiros têm feito verdadeiro malabarismo para manter as contas em dia.
A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que completou 25 anos na segunda-feira (6), mostra que, mesmo sobrecarregados, 96% dos municípios do país fecharam 2024 dentro do limite legal de gastos com servidores.
Segundo levantamento da CNM (Confederação Nacional de Municípios), da qual a Assomasul (Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul) é filiada, de 5.176 cidades analisadas, só 175 estouraram o teto de 60% da RCL (Receita Corrente Líquida) com pagamento de pessoal.
Para o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, esse resultado é quase um milagre: "É muito esforço das prefeituras para equilibrar as contas mesmo com programas federais mal financiados e mais obrigações caindo no colo dos prefeitos".
E o bom desempenho não para por aí. Quando se olha para o endividamento das prefeituras, os números também impressionam. Apenas 13 municípios ultrapassaram o limite máximo permitido de dívidas, que é de 1,2 vezes a arrecadação.
No total, os municípios terminaram 2024 com uma dívida líquida de R$ 93 bilhões. Parece muito? Pois saiba que mais da metade das cidades brasileiras (2.629) tem saldo positivo: juntas, elas possuem R$ 80 bilhões a mais em ativos do que em dívidas.
A comparação com os Estados e a União mostra o tamanho do desafio: enquanto os municípios devem 21% da arrecadação, os governos estaduais acumulam um rombo de R$ 593 bilhões – quase 38% da RCL. Só o Rio de Janeiro carrega uma dívida equivalente a mais do que o dobro do que arrecada. Já o governo federal, que nem tem limite definido pela LRF, está com uma dívida acima de R$ 6 trilhões, o que representa 430% da receita.
Para a CNM, os dados escancaram o jogo desigual entre os Entes federados. Enquanto as prefeituras se viram nos 30 para não descumprirem a lei, a União e os Estados continuam gastando bem mais do que podem.
Governo cria obrigações, mas deixa a conta para os prefeitos
Mesmo controlando os gastos, os prefeitos seguem enfrentando leis que se contradizem e uma realidade difícil: Brasília cria programas e exige resultados, mas não manda os recursos necessários.
A CNM aponta que, apesar dos avanços com a LRF, ela entra em choque com outras regras. Um exemplo é o Fundeb, que obriga os municípios a gastarem pelo menos 70% dos recursos com o pagamento de professores. A exigência, embora justa, pressiona os cofres municipais, pois entra na conta dos gastos com pessoal — justamente onde a LRF impõe limite rígido.
Além disso, o governo federal deveria prestar assistência técnica e ajudar financeiramente as prefeituras a modernizar seus sistemas de arrecadação, previdência e finanças. Mas, segundo a CNM, essa ajuda raramente chega. O resultado é que muitos prefeitos ficam de mãos atadas para melhorar a arrecadação ou buscar alternativas sustentáveis.
Outra bronca é a descontinuidade dos programas federais: cada novo governo muda tudo e empurra para os municípios a responsabilidade de manter os serviços funcionando — muitas vezes, sem verba. Essa instabilidade atrapalha o planejamento local e prejudica quem mais precisa: a população.
Para a CNM, os municípios foram os que mais sofreram com a LRF nesses 25 anos. Perderam autonomia, enfrentaram mais exigências e ficaram com menos margem para investir.
A entidade defende mudanças urgentes na lei para garantir mais equilíbrio no pacto federativo e evitar que a conta do ajuste fiscal continue caindo só nos ombros de quem está na linha de frente do atendimento à população.