Principal conselheiro do presidente Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim avalia que a revogação de vistos americanos de funcionários do governo brasileiro anunciada nessa quarta-feira é uma tentativa de provocar uma reação no Brasil para justificar “ações mais absurdas”.
— É a total irracionalidade. Ou, pior, uma provocação à espera de uma reação que sirva de pretextos a ações mais absurdas. Com que objetivo, sinceramente, não sei — afirmou Amorim ao GLOBO.
Em mais uma escalada da crise entre Brasil e Estados Unidos, o Departamento de Estado americano anunciou a revogação de vistos de dois brasileiros que participaram do programa Mais Médicos, programa criado em 2013 para contratar profissionais estrangeiros da área de saúde na rede pública. A medida foi justificada pela necessidade de responsabilização daqueles que permitem o esquema de "exportação de trabalho forçado do regime cubano".
Os brasileiros punidos: são Mozart Sales, homem de confiança do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e Alberto Kleiman, coordenador-Geral para a COP 30, conferência mundial do clima que acontecerá em Belém (PA) no próximo mês de novembro.
A declaração de Celso Amorim reflete uma impressão geral entre integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: os ataques da Casa Branca ao Judiciário brasileiro — e, desde ontem, a servidores públicos federais — têm como objetivo provocar reações em um tom maior do Brasil para justificar sanções mais duras.
Um exemplo seria a expulsão do principal representante dos EUA em Brasília, o encarregado de negócios Gabriel Escobar. Ou, para demonstrar descontentamento, chamar de volta ao Brasil a embaixadora brasileira em Washington, Maria Luiza Viotti.
Mas não há qualquer decisão a esse respeito e a tendência é continuar buscando uma negociação. Nas palavras de um importante interlocutor, Washington "estica corda".
Gabriel Escobar é o único canal de interlocução entre autoridades brasileiras e americanas. Desde o início da crise, foi chamado quatro vezes pelo Itamaraty, para ouvir manifestações de descontentamento do governo do Brasil.
De acordo com interlocutores envolvidos no assunto, o diplomata americano será chamado sempre que for preciso, embora seja um canal pouco útil. A avaliação é que Escobar não tem entrada alguma com a atual administração e está no posto como "boneco de ventríloquo".
A Embaixada dos EUA está sem titular desde janeiro deste ano, quando o presidente Donald Trump, tomou posse. O posto tinha como embaixadora a empresária e ativista democrata Elizabeth Bagley.
Na última sexta-feira, Escobar foi convocado pelo Ministério das Relações Exteriores. Ouviu queixas do governo brasileiro em relação aos novos ataques da embaixada ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, nas redes sociais.
"O ministro Moraes é o principal arquiteto da censura e perseguição contra Bolsonaro e seus apoiadores. Suas flagrantes violações de direitos humanos resultaram em sanções pela Lei Magnitsky, determinadas pelo presidente Trump. Os aliados de Moraes no Judiciário e em outras esferas estão avisados para não apoiar nem facilitar a conduta de Moraes. Estamos monitorando a situação de perto", dizia a mensagem da embaixada.
Na véspera, Gabriel Escobar se reunira com o vice-presidente Geraldo Alckmin. Os detalhes da conversa não foram divulgados.
A embaixada voltou à tona no sábado passado. Publicou uma mensagem semelhante a um texto divulgado horas antes pelo número dois do Departamento de Estado americano, Christopher Landau, afirmando que Moraes teria "usurpado o poder" do STF.
Desta vez, não houve convocação. O governo brasileiro manifestou à embaixada americana seu "absoluto rechaço às reiteradas ingerências dos EUA em assuntos internos do Brasil. E destacou que a democracia sofreu uma tentativa de golpe de Estado e não se curvará a pressões, conforme relatos de pessoas a par do assunto.
Desde que, no início do mês passado, anunciou uma sobretaxa de 40%, somada aos 10% que já haviam sido aplicados anteriormente, Donald Trump deixou claro que quer proteger o ex-presidente Jair Bolsonaro no processo que corre contra ele no STF. O governo brasileiro descarta essa hipótese e insiste em uma negociação comercial. (Com O Globo)