Um fenômeno geológico raro, que normalmente só vemos descrito em livros, a chamada Junção Tripla de Afar, na Etiópia, está permitindo que acompanhemos, em tempo humano, a separação de placas tectônicas, atividade vulcânica, formação de vales e depressões e, quem sabe, o surgimento de um novo oceano.
Nessa região geologicamente muito ativa, três grandes fendas da crosta terrestre se encontram: o Rifte da África Oriental, o Rifte do Mar Vermelho e o Rifte do Golfo de Áden. Esses vales estreitos, compridos e profundos se formam com o afinamento da crosta terrestre pelo afastamento das placas tectônicas.
Um estudo esclarecedor, publicado em junho de 2025 na revista científica Nature Geoscience, lançou novas luzes sobre o gigantesco processo de ruptura continental. Segundo os autores, uma única corrente principal de material quente (upwelling) alimenta os três riftes.
Essa origem única foi determinada pela repetição de assinaturas geoquímicas (combinações de elementos e isótopos) entre os riftes. Quando os pesquisadores compararam amostras de mais de 130 vulcões jovens, perceberam a repetição de “matches” nos diferentes braços das zonas de fratura.
O mais surpreendente é que esse processo de variação de assinaturas não é contínuo nem uniforme, mas segue um padrão cíclico. Ou seja, cada “batimento” dessa atividade pode gerar novos surtos de vulcanismo e alterações na crosta, moldando o modo como o continente africano vai se fragmentando aos poucos.
Como as placas tectônicas estão abrindo o leito de um novo oceano na África
Em um comunicado, o coautor Tom Gernon, professor da Universidade de Southampton (UoS), na Inglaterra, explica: “O listramento químico sugere que a pluma está pulsando, como um batimento cardíaco. Esses pulsos parecem se comportar de forma diferente dependendo da espessura da litosfera e da velocidade com que ela se separa”.
Quando o magma sobe, ele esfria, cristaliza parcialmente, e se mistura com as rochas ao redor ou interage com minerais preexistentes. São esses processos que alteram a proporção de elementos e isótopos no material, gerando diferentes assinaturas geoquímicas nas rochas vulcânicas formadas.
Para Gernon, “Em fendas de expansão mais rápida, como o Mar Vermelho, os pulsos se propagam de forma mais eficiente e regular, como um pulso através de uma artéria estreita”. Isso significa que, naquela região, as placas tectônicas se afastam mais rapidamente, como se “a Terra se abrisse mais depressa”.
O calor interno do planeta, ao subir no manto, empurra as placas tectônicas da região de Afar, forçando-as a se afastar. O movimento cria rachaduras gigantescas, que se estendem por milhares de quilômetros e podem ser observadas do espaço, em imagens de satélite.
Esse processo, parecido com a ruptura continental que deu origem ao oceano Atlântico no passado geológico, pode, em milhões de anos, produzir um novo oceano que separaria o leste da África do resto do continente. Essa transformação geográfica teria impactos nos padrões climáticos, na biodiversidade e nas rotas marítimas.
Usando análise de dados, o estudo ajuda a entender um dos processos fundamentais da geologia: a forma como os continentes se partem. O trabalho descreve como o manto responde ao esticamento da crosta, como ele promove fusões, vulcanismo e acaba inaugurando uma nova crosta oceânica.
Segundo o coautor Derek Keir, professor da UoS, a placa que está "por cima" (litosfera) não é sempre passiva, mas molda onde, como e com que eficiência o manto pode subir, se fundir “e ajudar a concentrar a atividade vulcânica onde a placa tectônica é mais fina”, conclui o geólogo.
Isso significa que modelos de pluma mantélica (corrente de rocha derretida e quente) devem sempre levar em conta a espessura da crosta e taxas de extensão. Uma melhor compreensão do risco de novas erupções vulcânicas ou formação de fissuras pode ajudar no planejamento do uso da terra nas regiões afetadas.
Finalmente, o estudo ilustra como a formação de um novo oceano via ruptura continental pode ocorrer de forma gradual, ao longo do tempo: em Afar, o rifteamento do Golfo de Áden começou há cerca de 35 milhões de anos, o do Mar Vermelho há 23 milhões de anos, e o Rifte Principal Etíope há 11 milhões de anos.
Mesmo com tantos achados, algumas questões ainda permanecem sem resposta, como de que forma os pulsos do manto se originam e o por que eles variam de intensidade entre os braços do rifte. Próximas etapas da pesquisa poderão esclarecer também “como e em que velocidade o fluxo do manto ocorre sob as placas”, promete Keir. (Com CNN)