As comemorações oficiais do 25 de Abril deram um prova do quanto será difícil Portugal pagar os custos dos crimes da escravidão às ex-colônias, como pediu informalmente o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Os três representantes dos partidos de direita e extrema-direita, que juntos detêm a maioria de 142 entre 230 deputados no Parlamento, usaram seus discursos para atacar o presidente e enterrar uma possível votação de proposta de reparação na Assembleia.
O descarte da responsabilização pelo tráfico transatlântico de seis milhões de escravos para o Brasil e crimes cometidos durante a era colonial é consenso entre a direita tradicional e extrema-direita.
O ataque mais direto partiu do deputado André Ventura, presidente do partido de ultradireita Chega, que cobra uma retratação do presidente.
— O senhor presidente traiu os portugueses. O senhor foi eleito pelos portugueses. Não foi eleito pelos guineenses, pelos brasileiros. Pagar o quê? Pagar a quem? Eu tenho orgulho da nossa história, eu amo este país — declarou Ventura.
Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, foi pelo mesmo caminho dos radicais.
— Senhor presidente, História não é dívida. E História não obriga a penitência. Quem declara ser nossa obrigação indenizar terceiros pelo nosso passado, atenta contra os interesses do país, reduz-se à função de porta-voz de sectarismos importados e afasta-se do compromisso de representar a esmagadora maioria dos portugueses — disse Rocha.
Nuno Melo, do CDS – Partido Popular, que integra o governo e fez parte da coligação de centro-direita Aliança Democrática, que elegeu em março o primeiro-ministro Luís Montenegro, considerou o tema controverso.
— No CDS não sentimos necessidade de revisitar heranças coloniais, não queremos controvérsias históricas, nem deveres de reparação que parecem importados de outros contextos. A História é a História. E o nosso dever é o futuro.
O presidente da República apenas ouviu os discursos contra a ideia de reparação e não rebateu quando chegou a sua vez de falar no Parlamento. Não abordou o tema em todo o seu tempo ao microfone.
Mais tarde, em um evento com chefes de Estado de países africanos, ex-colônias de Portugal, que foram convidados para o 25 de Abril, voltou timidamente ao assunto.
— Do passado colonial guardamos todas as memórias e as lições que guiarão no futuro — afirmou Sousa.
No mesmo evento, o presidente de Angola, João Lourenço, lembrou da luta das ex-colônias contra a escravidão e saques.
— Enquanto o povo português lutava contra o fascismo e a ditadura salazarista desde 1932, os povos africanos colonizados por Portugal lutavam desde o século XV contra a colonização portuguesa e suas consequências, como a escravidão e a pilhagem das nossas riquezas.
Montenegro, que é do Partido Social Democrata (PSD), não se pronunciou.
Na última terça-feira, em jantar com jornalistas estrangeiros em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa declarou:
— Temos que pagar os custos (pela escravidão). Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso.