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Dona Maria

30/03/2018 - 13h45

Raquel Anderson

Quantos anos de casada Dona Maria?

Sessenta e cinco minha filha, sabe lá o que é isso?

Não, nem imagino!

Pois é... é por isso que eu estou ansiosa, sabe, ele tem 90 anos e eu quero que ele fique calminho.

Dona Maria, me conte sobre o seu casamento.

Ah! É um causo do outro mundo, tem certeza que você quer saber?

Tenho sim!

A gente casou na fazenda, mas, antes, no namoro, que durou três meses, a gente namorava assim:

Meu pai de um lado, eu no meio, minha mãe do outro lado. Ele, sentado na nossa frente e, lá pelas tantas, o meu pai começava a limpar a garganta e dizia:

“- Booom, amanhã é dia de branco, tenho que levantar cedo!”

Daí ele se levantava e picava a mula, então, com três meses, ele pediu pra gente noivar, só que continuou tudo do mesmo jeito, a mesma toada e o meu pai naquela limpação de garganta, nenhum beijo, nada, nunca pegamos na mão um do outro.

Foram três meses de noivado e só o tempo do meu pai me aprontar e casamos. Foi uma festança boa, na fazenda, daí a gente veio de avião pra cá, mas antes, quando chegamos perto do avião eu pisei, sem querer, num formigueiro, pensa?

Fiquei louca e eu erguia o vestido e ele abaixava, pulei mais que saci e o piloto passou a mão nas minhas pernas e me ajudou, foi o piloto que me bulinou primeiro.

E eu vim daquele jeito, vestida de noiva, e nos hospedamos no recém inaugurado hotel Gaspar, era muito chique e diferente, eu tinha 16 anos e o meu velho tinha 29.

Minha mãe não tinha me falado nada sobre o que um homem faz com uma mulher, nadinha e eu não sabia de nada, então eu sentia medo, uma coisa muito estranha.

Daí eu fui tomar banho, abri a mala, peguei o meu pareio de roupa e fui pro banheiro, nunca que eu tinha visto um banheiro assim, dentro do quarto.

Quando eu tava debaixo do chuveiro, ele abriu a porta, eu fiquei louca e preguei um grito, mandando ele sair dali, fiquei tão nervosa e não sabia o que ia acontecer comigo, nunca na vida ninguém tinha tocado em mim e, para mim, aquilo era desesperador, minha filha!

Daí ele se aquietou, eu sabia que ele era um homem danado, tinha fama lá nas bandas da fazenda, só que ele achava que tava na hora de casar e meu pai sabia que ele era trabalhador e cumpridor dos seus deveres.

Eu fiquei quietinha, morrendo de medo no quarto, ele pediu a roupa pra ir pro banho, eu dei a muda de roupa dele e fiquei caladinha ali, eu nem respirava de desespero.

Quando ele saiu do banho, apareceu todo vestido, até carçado e eu dei graças a Deus.

Ele me perguntou se eu queria que pedisse a janta ali, no quarto, ou se eu queria descer, claro que me apressei e disse numa ligeireza daquelas que eu queria descer.

Percebendo o meu apavoramento, ele perguntou se eu queria dar uma volta, comprar umas revistas, eu topava qualquer coisa que me colocasse no meio de outras pessoas, além do que eu era uma capiau doida por revistas.

Na volta da janta eu preguei na janela do quarto e fiquei olhando o trem que passava em frente, grudei o meu corpo ali, eu parecia um estátua, ele veio por trás e quis fungar no meu cangote, eu quase me joguei janela abaixo, ele saiu e foi pra cama, tirou a camisa e ficou ali deitado, parecia um dois de paus esperando a outra carta do baralho, depois de um tempo ele perguntou se eu não ia deitar e eu disse que não.

Passei a noite todinha ali, pregada naquela janela.

Para mim aquilo era uma coisa inexplicável, acho que eu nunca vou conseguir falar, certinho, o que eu sentia, era pavor, sabe?!

Precisou a madrinha e a mãe dele ir falar com médico pra ele me explicar o que que ia acontecer comigo, foram mais de duas semanas de idas e vindas no médico, até eu aceitar.

-Eu não sentia nada, nem sabia que tinha que sentir alguma coisa.

Só não entendo porque minha mãe nunca falou nada, nada, pra mim, quando foi a vez das minhas irmãs e expliquei tudo pra elas, sofreram bem menos do que eu.

Hoje, já tenho bisnetos, mas nunca vou esquecer daquela dificuldade toda.

Ainda bem que muita coisa mudou no mundo né?!

Ainda bem que as mulheres hoje tem liberdade, só fico triste que acabou umas coisas boas do ser humano.

O que, por exemplo, Dona Maria?

Consideração, respeito, confiança, e principalmente, eu acho que acabou a paciência e a jeito de ser correto, das pessoas!

Dona Maria, a senhora pode me explicar porque a senhora percebe isso, ao longo da sua vida, a senhora teria um exemplo para dar?

Tenho muitos exemplos, vou te falar só um:

Hoje em dia o marido encontra com a amante pra falar mal da mulher, no meu tempo a figura da esposa era sagrada, não vejo mais a entrega pura das pessoas, só pensam no que o outro pode render, tudo é movido no interesse, se eu for ficar aqui te dando exemplo, não vou parar nunca.

Agora tenho que ir embora! Esquece de ainda ver coisas muito boas, minha filha, o mundo tá feio demais!

Você sabe quem foi Helena Meirelles?

Sei sim, Dona Maria, uma mulher sensacional!

Então, ela falava assim:

“Ooooo meu Mato Grosso do Sul fuçado!” (risos)

Tchau! Se cuida, minha filha!

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